domingo, 13 de fevereiro de 2011
Reine sobre mim trailer legendado em portugues
Uma análise do filme
Reine Sobre Mim
Charlie Fineman vive imerso em solidão e dor após ter perdido tragicamente a esposa e as filhas no atentado de 11 de setembro. Com essa tragédia inesperada em sua vida, rompe literalmente com o passado criando outra vida, isolando-se do mundo externo. Leva uma vida livre de responsabilidades, onde não precisa trabalhar, nem ter hora para nada. Vive como se tivesse duas vidas onde a primeira rompeu-se com a morte da esposa e das filhas e a segunda que construiu como forma de proteção contra lembranças da primeira vida.
Reforma compulsivamente a cozinha a cada dois meses, ao mesmo tempo em que tenta se livrar do passado usando os fones, o jogo diariamente, o isolamento, de certa forma mantém viva a imagem das filhas e da esposa ao reformar a cozinha, ao tirar os sapatos na porta para não sujar o carpete.
Apenas seu contador e a síndica do prédio onde mora mantém contatos regulares com ele. Foge dos sogros porque eles representam à outra vida que não quer lembrar. Anda pelas ruas com um patinete motorizado e enormes fones de ouvido escutando musica. Nega-se a aceitar a realidade, a perda das filhas e da esposa, até mesmo a cadelinha, sentia-se importante em meio a elas e a solidão, a perda o levou a isolar-se. Cria para ele um mundo paralelo, onde no mundo dele as coisas são diferentes, não há ninguém para importuná-lo ou lembrá-lo da tragédia. Isola-se do mundo real. A música alta pode ser uma forma de driblar os próprios pensamentos que possa ter a respeito delas. São traumas que não são fáceis de superar.
A constante reforma da cozinha está ligada ao fato dele ter se chateado com o pedido da mulher, era vontade dela e das filhas a reforma por esse sentimento de culpa que o fez reformar a cada 2 meses, como uma obsessão o que acredito ser uma realidade quando lidamos com perdas de alguém de nossa família o sentimento de culpa geralmente é o primeiro que vem, porque lembramos das coisas que não fizemos ao invés das coisas boas. A culpa é a primeira a se manifestar, logo lembramos apenas das coisas ruins que fizemos a essa pessoa, as recordações, a saudade, a culpa de não termos sido melhor para a pessoa que perdemos a dor constante, a solidão, essas recordações invadem a mente do doente a qualquer instante e começa a ser uma luta constante, a vida normal vai se perdendo aos poucos, o interesse, a forma de se vestir, o relaxamento com o corpo, com o trabalho, nada faz mais sentido, como demonstra no filme no personagem de Charlie.
A amizade dele com Alan, o amigo que reencontra foi o único vínculo criado que o despertou para a vida, embora Charlie não o reconhecesse, vive completamente alienado do passado, da vida que ele mesmo divide ao dizer “Isso foi em outra vida” quando se refere à faculdade. Alan passa a fazer parte da vida do amigo, sabia do acidente, mas não tinha nenhuma ligação com Charlie e sua família, eram colegas de faculdade, o que facilitou que deixasse o amigo entrar em seu mundo. O reencontro com o amigo o ajuda aos poucos a tentar aceitar a realidade, Alan é um dentista bem sucedido, ama a esposa, mas sente-se preso e busca mais liberdade, espaço que vê limitado dentro da convivência familiar. Alan não está feliz no trabalho, o modo como os sócios o vêem, os pacientes que egoisticamente colocam os dentes em primeiro lugar, como: “existem muitas coisas importantes além de polir os dentes”.
O filme mostra a insatisfação dele com a família e no trabalho, quando os pais reclamam de tudo, a esposa não lhe dá espaço, privacidade, o extremo compromisso que tem quanto ao trabalho e a própria família. Tem muita dificuldade de falar sobre si com a esposa ou qualquer outra pessoa. Alan encontra propositalmente a psiquiatra e fala dele em terceira pessoa, não aceita ajuda, quando fala a ela do sonho que teve “barril de camisinhas” ela percebe de que realmente ele precisa de ajuda. O sonho pode significar a própria vontade de se libertar. O filme mostra, a dificuldade que as pessoas têm em procurar ajuda aceitar, acreditar que precisam de um profissional para resolver certas questões. Alan passa a fazer parte da vida de Charlie com o videogame, o jogo Colossus, a música e os discos, os dois se divertem-se como nunca, começam a se encontrar diariamente, cantam juntos, andam de patinete pelas ruas, os filmes do Mel Brooks que riem muito, o que contraria o jeito de ser do amigo Alan que acaba cedendo, permitindo-se ser mais livre em relação a suas atitudes. Importante destacar que percebi alguns meios que atuam como uma terapia, boas risadas ao ver um comédia, a convivência com um amigo, o vídeo game, com cuidado para que não vicie, embora às vezes apenas mascare a realidade.
A meu ver o jogo “... Colossus” representava para Charlie uma fuga da realidade como ele mesmo diz ao amigo “outra dimensão” que não fazia parte do passado. O amigo Alan acaba por entrar nessa dimensão ainda que temporariamente, desligar-se dos problemas, das responsabilidades do trabalho que o chateava e a falta de liberdade que sentia a respeito da família. A mente humana tem um poder extraordinário de mascarar a realidade, ainda que não seja absolutamente.
Sempre que o amigo tenta fazê-lo lembrar do passado ele torna-se agressivo. Ao tentar ajudá-lo com um psiquiatra na loja de discos, Charlie percebe e fica agressivo porque sabe que não estava ali por acaso. Alan não desiste e acaba convencendo-o a fazer análise com a psiquiatra a que aborda propositalmente. A psiquiatra não consegue fazer com que Charlie fale sobre o assunto, ele tenta desculpar-se dizendo a ela que é muito jovem, até que ele resolve falar ao amigo. Então pela primeira vez fala da morte da mulher, das duas filhas e a angústia que carrega por ter sido grosso com a esposa quando ela liga do aeroporto e pede para que ele não se esqueça de reformar a cozinha. É a última vez que ele ouve a voz dela. Evidencia nessa parte a dor da culpa que sente de ter sido grosseiro com ela, a saudade delas, o amor que tinha a solidão, sentimentos que o reduziram a uma vida alienada.
Charlie entra em crise profunda depois de ter conseguido desabafar sobre a tragédia como se tivesse trazido à tona algo terrível, adormecido, após ver as filmagens do acidente procura livrar-se novamente, bebendo e tentando o suicídio ao não encontrar a munição da arma sai provocando uma situação com a arma sem munição, e como ele mesmo queria, quase é morto por policiais.
Desejava a morte porque mexeram com algo que havia superficialmente adormecido. Na tentativa de ajuda do amigo e da psiquiatra ele revive de forma mais dolorosa o drama da tragédia. É uma luta interna e injusta, uma dor que ultrapassa a compreensão, não é algo que se possa eliminar facilmente. O doente se vê sozinho no mundo, sem família, amigos, e ainda, Charlie havia sido criado por uma tia, os pais haviam morrido quando ele ainda era criança. A perda dos pais talvez não fizesse estrago em sua vida, teria superado com a esposa e filhas, mas a perda dessas o fez adoecer. A ausência delas lhe causava um grande sofrimento, as lembranças, a casos em que a pessoa se torna fria evitando amar novamente, construir uma nova família, pelo medo de uma nova perda, do sofrimento, assim prefere viver sozinho, sem amigos, sem ninguém. Começa a evitar qualquer coisa que o faça sentir carinho, amor, uma maneira de se defender. Como quem agride porque sente medo. Os surtos de raiva são exemplos claros dessa defesa, de não querer falar sobre o acontecido, se mostrar agressivo para ser evitado pelos outros e viver em paz em seu mundo a parte. Outro exemplo foi quando soube da morte do pai de Alan a reação que teve foi de descaso, frieza e queria que o amigo tivesse o mesmo sentimento a respeito da morte do pai, uma forma de ajudá-lo da maneira dele.
Após a incidente é obrigado a ficar numa instituição do governo para exames psiquiátrico e futuro tratamento de estresse pós traumático, considerado pela instituição como doença grave. É retirado de lá pelo amigo e a psiquiatra que não concorda com o método a que querem submetê-lo. No julgamento para decisão em relação ao retorno à instituição o promotor vai além do que a lei possa permitir, de forma cruel mexe profundamente com os sentimentos de Charlie, ao mostrar as fotos das meninas. É como tocar fogos em casa de marimbondo, mexer com quem está adormecido, embora tivesse o lado positivo em relação a Charlie ver a dura realidade, o filme também mostra a inexperiência de quem desconhece uma doença após um trauma. Obviamente que ele teve uma crise, aumentando o volume da música e gritando como forma de não ouvir, fugir daquilo que lhe causa dor.
Mesmo no auge do sofrimento, Charlie revela que está mais preocupado com Alan do que com ele mesmo e, então, é a vez de Alan se encontrar e falar sobre si mesmo e o faz. Alan está sofrendo, embora não seja na mesma proporção, necessita de ajuda, sobrecarregado por sua família e por responsabilidades profissionais vê no amigo a liberdade. Ao mesmo tempo em que ajuda o amigo pede socorro e acaba falando de si mesmo, libertando-se.
Enquanto os traumas não vierem para o mundo real, fica mais difícil o tratamento, o doente precisa querer falar sobre ele o que torna mais difícil ainda é o fato de quem está doente dificilmente aceita procurar um profissional, enquanto não falar sobre o caso esse fica na espreita e a qualquer momento vem à mente, explode em pensamentos e causa uma profunda dor porque a pessoa não consegue se libertar, pode até saber que precisa de ajuda, mas é mais forte que a própria vontade ou necessidade, destrói, muda o comportamento. Os pensamentos agem como monstros dentro da mente, como um vírus que destrói os arquivos dos computadores. Uma comparação simples, se não utilizarmos um bom antivírus no nosso computador, o resultado pode ser danoso a arquivos importantes, que não sejam mais passíveis de restauração.
Por mais que as pessoas relutem a aproximação de um amigo, um familiar é fundamental no que diz respeito ao auxílio, se é difícil à aceitação desses a aproximação de um profissional se torna praticamente impossível. No filme o amigo consegue sutilmente fazer parte da vida dele e de certa forma ao ajudar o amigo ajudou a si próprio, assim como a paciente obsessiva para fazer sexo oral em Alan que não conseguia viver com a traição do marido e a perda do casamento também ao aproximar-se deles começou a tentar lidar com seus problemas. Importante dizer que todos nós temos nossos desajustes, a diferença é a proporção deste, insisto no exemplo do computador que como nosso arquivo “mente” passíveis de vírus desde que conectados a internet, porque estamos expostos a novos acontecimentos, perdas, assim é nossa mente... a internet significa o mundo em que vivemos mais exposto a acontecimentos, quanto mais navegarmos mais corremos riscos de infectarmos nossos arquivos “mentes”. Para tratar traumas como, por exemplo, o do personagem é só com um profissional, a ajuda dos amigos e da família está no sentido de convencer ele a procurar esse profissional que pode tratá-lo.
Uma morte é sempre difícil para quem fica, não só pelo desconhecido, mas a perda, a saudade, o não ver mais aquela pessoa, o fato de poder ter sido melhor para ela. É difícil lidar com ela, e quando não se espera a morte, um sentimento estranho toma a pessoa que só aqueles que perderam podem explicar, embora cada ser humano reaja de forma diferenciada, ela é sempre dolorosa para quem fica. Uma tragédia como foi o caso, faz com quem fica enlouquecer porque vem a mente todas as formas de pensamento, exemplo de quando ele fala da mancha de nascença da filha que ele não quer mas não consegue se livrar desse pensamento quando imagina a mancha queimando, se tortura com esse pensamento, talvez como uma forma de castigar-se. Quando se sabe que alguém que amamos tem uma doença grave, sem volta, estamos apenas aguardando o momento dessa pessoa morrer, mas quando ela vem em tragédia é como as pessoas de nossa vida simplesmente evaporassem, a forma como ela vem, pode ser bem mais danosa a uma pessoa que fica. As filhas dele, crianças, certamente quem perde filhos tragicamente, os que perderam se pegam imaginando como foi, havia pedaços do corpo? Sentiu dor? Onde foram parar? Em caso de acidentes violentos como o do 11 de setembro, queimaram rápido? É uma verdadeira tortura. Dificilmente os pais temem sua própria morte, eles temem perder aqueles que amam principalmente perder os filhos, porque pela regra da natureza deveriam ser os últimos a morrerem e muitas vezes morrem primeiro que os pais de forma violenta e a notícia da morte quando chega de forma inesperada, caso do filme em que ele viu a reportagem do acidente do avião e era o vôo da esposa e filhas. Acho complicado para um ser humano conviver com uma perda que chega num piscar de olhos, num momento se tem tudo, uma família, um emprego, uma vida normal, feliz e de repente num piscar de olhos, como um mágico sob um lenço que tira do bolso faz desaparecer uma pomba branca e linda, a diferença que a pomba reaparece no próximo número, as vidas são para eternidade.
Uma lembrança ruim pode ser como o câncer que destrói as células ou como um vírus que destrói arquivos. A vítima dessa perda acaba por renunciar a si própria, não quer ser tratado, não vê motivo para viver, importante destacar que cada ser humano age diferentemente a reações como tragédias, uns conseguem lidar com o problema outros ficam doentes.
O filme mostra não só a vida de Charlie como de Alan e a paciente da psiquiatra Angela, a personagem mostra a dificuldade que algumas mulheres tem a respeito de não conseguir lidar com uma separação, que não deixa de ser uma perda. No final é bem interessante a parte que mostra os três juntos no apartamento. A aproximação mostrou a preocupação que cada um deles tinha a respeito do outro, uma espécie de ajuda mútua, embora cada caso fosse um caso.
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